Da Catalunha para o Mundo

Blog da Taíza Brito e do Gerard Sauret

CATALUNHA x ESPANHA: HISTÓRIA DE UMA DESAFEIÇÃO (3ª parte)

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ECONOMIA

 

Beneficiada pela proximidade com os demais países da Europa e por uma divisão de terra equilibrada, a Catalunha despontou na idade moderna como região orientada para a produção e o comércio de mercadorias. No início do século XVIII, a Catalunha tinha entrado na guerra de sucessão espanhola inspirada no parlamentarismo, como modelo de estado, e o mercantilismo industrial, a exemplo de seus aliados: os Países Baixos e a Inglaterra.

 

Mas a derrota definitiva de 1714, com a queda de Barcelona, submeteu o país a um modelo de estado centralista em Madri, de corte francês, e resultou na suspensão das instituições próprias de governo. Na segunda metade do século XVIII, a Catalunha voltou a erguer-se com o crescimento das manufaturas e a produção têxtil, de alimentos e de aguardente, em boa parte graças ao comércio com as Américas, antes proibido pela Espanha.

 

No século XIX, tais condições favoráveis trouxeram a revolução industrial ao nordeste da Península Ibérica. Enquanto a Espanha continuava largamente agrária, com uma aristocracia fazendária e latifundiária, aliada às elites políticas e do Estado, na Catalunha ia se gestando uma sociedade de classes urbana e moderna, com burguesia e proletariado. Esta dissociação entre o poder político, em Madri, e uma parte importante do poder econômico, na Catalunha, é um fator que ajuda a explicar o surgimento do nacionalismo político.


Hoje a Catalunha concentra 16% da população e 20% do PIB da Espanha, sendo considerado o seu principal motor econômico. Paradoxalmente, recebe menos em investimentos e infraestrutura por parte do governo central (11%). O que tem enervado a sociedade catalã, que acusa a Espanha de infligir sistematicamente um déficit fiscal severo (a diferença entre o que se arrecada num território e o que se investe nele), equivalente a 8% do PIB catalão. Este número vai além da solidariedade entre territórios, argumenta o coletivo Wilson, formado por catedráticos de economia. Que afirma ser um índice muito superior do aplicado em outros países nas suas regiões ricas, como Flandes, na Bélgica (4,4%) ou Alberta, no Canadá (3,2%).

 

Com a chegada da crise econômica, em 2008, os ânimos foram se esquentando à medida que o governo catalão viu-se obrigado a fazer drásticos recortes em políticas públicas e estruturas de estado. O que tem comprometido o modelo de bem-estar e o nível de qualidade de vida alcançado ao longo das últimas décadas. O governo catalão, inclusive, viu-se obrigado a pedir empréstimos com juros, à Espanha, para atender aos fornecedores. Nessa conjuntura, a reivindicação pela plena autonomia na arrecadação de impostos, como já acontece no País Basco, ganhou espaço. Mas Madri negou-se a negociar. O que levou o atual presidente  a abraçar as teses soberanistas, em 2012.


CORREDOR MEDITERRÂNEO

 

A crise econômica na Espanha, que se alastra por mais de meia década tem se agravado pelas péssimas estratégias de investimento em infraestrutura sem retorno econômico – como por exemplo,  trens de alta velocidade que conectam províncias improdutivas. Nesse contexto, uma polêmica, a do “Corredor Mediterrâneo”, tem sido outro ponto de fricção entre a Catalunha e a Espanha.

 

Projeto a ser financiado pela União Europeia e pelo estado espanhol, o Corredor Mediterrâneo consiste na criação de um polo logístico que conectará os portos marítimos de Barcelona, Tarragona, Valência e de Algeciras (na Andalusia), mediante ferrocarril, com o centro da Europa. Este projeto permitirá o desembarque e entrega com maior celeridade de mercadorias provenientes da China (através do Canal de Suez), concorrendo diretamente com os potentes portos de Amberes, Rotterdam e Hamburgo.

 

No entanto, o governo da Espanha tem se mostrado reiteradamente reticente em defender o projeto diante das autoridades europeias. E, como alternativa, tem defendido o faraônico “corredor central”, que consistiria em conectar Madri com Paris, furando pelo meio as montanhas dos Pirineus.

 

Mas a obra do Corredor Central, que duraria décadas antes de poder ser inaugurada, é claramente menos eficiente do que a do Mediterrâneo, que aproveita a geografia favorável para o escoamento de mercadorias: o corredor natural a nível do mar que discorre pela costa mediterrânea da Península Ibérica até a França. Ainda, pelo corredor central os trens carregados de mercadorias teriam que superar o desnível existente entre a costa e o planalto de Castela, perdendo, mais tempo e energia.

 

O problema é que o “corredor mediterrâneo” não passa por Madri. Isto é, não se encaixa na concepção radial de infraestrutura que conecta o centro com a periferia, reforçando o poder e a influência da capital no Estado. E, ademais, contribui a estruturar os chamados Países Catalães, ao conectar especialmente a Catalunha com o País Valenciano. O que alimenta o fantasma da ameaça geopolítica à unidade do reino.

 

Recentemente a UE, que só se atende a questões econômicas, já desconsiderou o Projeto do Corredor Central e apostou decididamente pelo “Corredor Mediterrâneo”. Mas a polêmica tem gerado o estupor e a incredulidade entre o empresariado e o conjunto da sociedade catalã, convertendo-se em mais uma prova de que o estado espanhol joga decididamente contra seus interesses. Um estado que gostariam, mas que vêem que não podem chamar de seu.

(CONTINUARÁ 3 de 4) 

Aquesta entrada s'ha publicat en Outros el 7 de juny de 2014 per TaizaBrito

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