Fraga Iribarne fez sempre alarde de que a sua mãe, uma euskalduna nascida na localidade baixo-navarra de Ostabat-Asme, lhe ensinara o francês e «não o vasconço, que é uma língua morta» (sic.).
Quando em 54 assistia em Montevideu, como secretário do Conselho de Educação, à VI assembleia geral da UNESCO, respondeu à repartição entre os assistentes do documento “Denuncia da perseguizón do idioma galego pol-o Estado Hespañol” aduzindo que, sendo Franco galego, era impensável que reprimisse a língua dos seus antepassados. O documento fora redigido por Ramón Pinheiro, líder do Partido Galeguista na Galiza.
Sendo ministro de Informação de Franco, censurava as obras de Castelão e recomendava aos jornais que «de gallego nada» (citamos a Borobó, nesses anos diretor de El Correo Gallego). E até chegou a multar a La Voz de Galicia, em maio de 68, por publicar uma carta aberta de Augusto Assia intitulada “Sobre el idioma gallego”, porque nela «se defendia e exaltava o idioma galego».
Mas uma das virtudes políticas de Fraga foi a sua capacidade de adaptação aos novos tempos. E, destarte, na “Espanha das autonomias”, mudava aparentemente de discurso para se disfarçar de um suposto “galeguismo autoidentificado”. Assim, como presidente de Alianza Popular (AP), primeiro, e presidente do governo autónomo, depois, teria um papel determinante no processo de normativização e normalização da nossa língua.
No dia 28 de agosto de 1981, na Casa Grande de Janzeda, propriedade de Victoria Fernandes Espanha, presidenta corunhesa de AP, juntavam-se Fraga e Fernández Albor (em outubro desse mesmo ano, primeiro presidente do Governo Galego) com Constantino García, Ramón Lorenzo e outros gerifaltes isolacionistas. Curiosamente, nessa reunião não se falou «em absoluto de política e apenas se trataram temas universitários e culturais, sendo o entendimento entre o professor Fraga e o resto dos professores e doutores muito harmonioso», como confessava a própria anfitriã. Que temas foram estes? A Comissão de Linguística da Junta pré-autonómica, presidida por Carvalho Calero, elaborara em 80 umas normas ortográficas de consenso, os conhecidos como “mínimos reitegracionistas”. Após as eleições de outubro, o governo de Fernández Albor imporia por decreto a normativa castelhanizante do Instituto da Língua Galega, com o beneplácito da Real Academia Galega.
O ex-presidente da Real Academia Galega, Xosé Ramón Barreiro Fernández, tem vindo a reconhecer a existência de um pacto tácito entre Fraga e o galeguismo pinheirista. Nessa altura, Pérez Varela, o ínclito Conselheiro de Cultura de Fraga, presumia que um galeguista lhe custava cem mil pesetas…
Em matéria de normalização o presidente Fraga defendeu um suposto “bilinguismo harmónico”. Era o bilinguismo do presidente que falava galego aos labregos e marinheiros e castelhano aos empresários…
O mesmo Fraga que, em Portugal e no Brasil, reivindicava sem rubor o «idioma comum dos povos de quatro continentes desde Galiza a Timor, que luta por manter o seu lusitanismo bem perto das nossas antípodas» (discurso na Academia das Artes Brasileiras, 21-07-1997).
Note-se que, para além da adição ao poder, a única ideologia de Fraga em sessenta anos de vida política foi o nacionalismo espanhol. E sem dúvida, desde essa perspetiva, um dos seus grandes acertos políticos foi fazer com que o galego enveredasse em decadência definitiva… uma agonia sem dor, convenientemente anestesiada com subsídios públicos.
Paradoxalmente, por pouco enterravam-no só com uma bandeira galega e mais nenhuma. E, cousas da vida, no epitáfio da sua sepultura reza “Bo e xeneroso”.
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Versão portuguesa: a herança cultural de uma língua comum e de um património cultural multissecular
Versão galega: a herdanza cultural de linguas con raices comuns, un património cultural multisecular.
Fonte: FRAGA IRIBARNE, M.: A Galiza e Portugal no marco europeu. Edita Xunta de Galicia. 1991. Pág 7 / FRAGA IRIBARNE, M.: Jornal do Arco Atlantico. 23 de outubro de 1992 nº 1, Pág 3