Da Catalunha para o Mundo

Blog da Taíza Brito e do Gerard Sauret

Catalunha: de volta na aventura da história

Deixa un comentari

O blog Geografia hoje, acaba de republicar o texto jornalístico de Mauro Tracco sobre a história da Catalunha e sua vocação independentista. Intitulada “Catalunha independente”, a matéria foi publicada originalmente na revista brasilerira Aventuras na História, na edição 114 de janeiro de 2013. Veja a versão impressa no link a seguir: Aventuras na História

Tracco viajou a Barcelona, logo depois da massiva manifestação em prol da independência que reuniu 1,5 milhão de pessoas na capital da Catalunha em setembro de 2012. Lá falou com renomados historiadores, como Agustí Alcoberro, professor da Universidade de Barcelona e Diretor do Museu de História da Catalunha; e Jaume Sobrequés, catedrático da Universidade Autônoma de Barcelona. Como contraponto, tomou o depoimento também de Juan Sisinio, da Universidade de Castilha-La Mancha. O texto da matéria também foi postado no site da revista em 17/10/13.

De acordo com Wickipédia, Aventuras na História é uma revista especializada em História, publicada mensalmente pela editora Abril. É considerada a maior publicação do segmento no Brasil, sendo que em suas primeiras edições possuía claro vínculo com a revista Superinteressante, da mesma editora no país.

Os leitores compreenderão que tenhamos nomeado este post “Catalunha: de volta na aventura da história”. Pois o jogo de palavras com o nome da revista cai como uma luva para descrever o momento atual em que se encontra esta pequena grande nação sem estado da velha Europa. Na encruzilhada da história, no próximo 11 de setembro (11/9), a Catalunha comemorará 300 anos da perda efetiva da sua soberania e sairá massivamente às ruas, pelo terceiro ano consecutivo, para reivindicar os seus direitos nacionais. De fato, o povo catalão encontra-se a um passo de realizar um referendo, em 9 de novembro (9/11), para decidir se quer formar um novo estado independente. O plebiscito conta com o apoio maioritário da opinião pública local e dos partidos políticos catalães, mas sem a autorização expressa do governo espanhol.

Boa leitura!

Crédito da fotografia: Protestos pró-independência no Dia Nacional da Catalunha, em 11 de setembro (foto: Getty Images)

Blog Geografia Hoje

Publicado originalmente em 12/08/14

CATALUNHA INDEPENDENTE

Muitos catalães defendem a independência da Espanha. A língua é diferente, e por muitos séculos a Catalunha existiu como nação. Eles querem criar um novo país na Europa em pleno século 21

Mauro Tracco, De Barcelona

Todo domingo, às 11 h da manhã, o programa diante da Catedral de Barcelona é sempre o mesmo: jovens e idosos dão as mãos, formam uma roda e começam a bailar a sardana, uma dança que existe desde o século 19, mas quase foi proscrita durante a ditadura de Francisco Franco, entre 1939 e 1975. A sardana é, a um só tempo, exemplo e demonstração do orgulho catalão – e das diferenças entre a região e o resto da Espanha. Essas diferenças afloraram no dia 11 de setembro do ano passado quando 1,5 milhão de catalães, 10% da população, tomaram as ruas de Barcelona para reivindicar um estado próprio. O nacionalismo catalão é real e cresce a cada geração. Mas de onde ele vem? Baseado em que a Catalunha se intitula uma nação? Aliás, o que exatamente constitui uma nação? “Na velha Europa, são comunidades culturais assentadas em um território, com uma história comum, uma língua, uma cultura e o que poderíamos definir como uma psicologia coletiva, resultado de um processo de longa duração”, dizAugustí Alcoberro, diretor do Museu de História da Catalunha e professor de história moderna na Universidade de Barcelona. “A Catalunha é uma nação europeia porque reúne todas essas características.”

Forte desde os gregos 

A região da Catalunha, no nordeste da Península Ibérica, é velha conhecida da humanidade. Os gregos desembarcaram ali e fundaram as cidades de Emporion (atual Empuries) e Rodhes (Roses). Depois chegaram os fenícios, vindos do norte da África, que usaram a região como caminho para Roma durante a Segunda Guerra Púnica (218-201 a.C.). Os romanos também passaram (e ficaram) por ali. Em sua longa estada fundaram cidades como Tarraco (Tarragona) – capital da Hispania Cisterior e depois da província Tarraconense -, Gerunda (Girona) e Barcino (Barcelona). Trouxeram as leis, o latim e, no final do império, o cristianismo. Ainda há ruínas do circo romano em Tarragona.

Em 472, os visigodos puseram fim a 600 anos de domínio romano, mas não foram capazes de evitar a invasão árabe no começo do século 8. Foi justamente a luta do Império Carolíngio, liderado pelo imperador franco Carlos Magno, para expulsar os muçulmanos da Europa, que plantou o gérmen da futura Catalunha – os exércitos francos tomaram Barcelona em 801. Carlos Magno dividiu seu reino em condados, subordinados ao poder central. Aos poucos, durante o século 9, os nobres foram se desvinculando dos francos e deram origem a dinastias locais. “Esse processo foi a base da futura independência do país”, explica Jaume Sobrequés, catedrático de história da Catalunha da Universidade Autônoma de Barcelona, no livro Història de Catalunya. Diz a lenda que após uma batalha contra os muçulmanos, Guifré, El Pilòs, que unificou os vários condados catalães, ficou gravemente ferido. O imperador carolíngio Carlos II colocou a mão direita na ferida do conde e passou os quatro dedos ensanguentados sobre o escudo dourado. Desde então, as quatro barras vermelhas sobre fundo amarelo se tornaram o escudo dos Condes de Barcelona.

4 barres

Os termos “Catalunha” e “catalães” para definir o lugar e sua gente são documentados a partir do século 12, na mesma época em que foram produzidos os primeiros textos de caráter literário, jurídico e religioso em catalão, uma língua evoluída do latim.

Em 1137, o casamento entre o Conde de Barcelona, Ramón Berenguer IV, e a herdeira do reino de Aragão, Petronila, criou a confederação catalão-aragonesa, ou Coroa de Aragão. “O pacto garantiu a sobrevivência do reino de Aragão, ameaçado pelos de Castela e Navarra, e a supremacia da Casa de Barcelona sobre esse território”, diz Alcoberro. Os dois domínios mantiveram suas leis, idiomas e impostos próprios. Tinham em comum apenas a figura do soberano, que em um lugar era chamado de rei de Aragão e no outro de conde de Barcelona. Foi um período dourado. Durante o século 13, o conde-rei Jaime I, o Conquistador, empreendeu uma bem-sucedida política expansionista (veja ao lado). Sob seu comando, os reinos de Majorca e Valência foram incorporados à Coroa de Aragão. Seus descendentes conquistariam as ilhas de Sardenha e Sicília, os ducados gregos de Atenas e Neopátria e o reino de Nápoles. “Foi formado um verdadeiro império político e econômico catalão no mediterrâneo, em dura rivalidade com Gênova e outras cidades-estado italianas”, afirma Sobrequès. Foi também nessa época que começaram a tomar forma definitiva as instituições que governariam o país até 1714, como o Conselho de Cento de Barcelona, responsável pela vida municipal, e as Cortes Catalãs, o legislativo que controlava a atuação do rei. A partir de 1362 se consolidou uma representação permanente das Cortes, chamada Diputació del General, ou Generalitat, que se converteria no mais importante organismo político da Catalunha durante os séculos 14 e 15.

O declínio sob Castela 

Quando o rei Martin, o Humano, morreu em 1410 sem deixar herdeiros, colocou fim à dinastia catalã. Em 1469, veio o casamento entre Fernando II de Aragão e Isabel de Castela, que passaram à História como os Reis Católicos. Seus respectivos domínios continuaram sendo governados separadamente, seguindo um modelo semelhante à da confederação catalã-aragonesa. Carlos I, da Casa de Áustria, neto de Fernando II, foi o primeiro monarca a receber a dupla herança de Castela e Aragão, em 1516.

Apesar da manutenção das instituições, a união beneficiou Castela, que de forma progressiva conquistou relevância no cenário internacional, principalmente com o descobrimento da América, em 1492. O surgimento da figura do vice-rei, representante do soberano na Catalunha, erodiu o poder local e alimentou o atrito com uma Madri cada vez mais absolutista. O golpe de misericórdia à Catalunha foi dado em um dos últimos episódios da Guerra da Sucessão Espanhola, que opôs os estados bourbônicos (França e a Espanha de Felipe V) aos da Grande Aliança de Haia (Inglaterra, Países Baixos, o Império Alemão, Savoia e Portugal). A Catalunha apostou pela causa aliada para garantir a preservação de suas leis. Mas Felipe V de Bourbon, primeiro monarca da dinastia que até hoje reina na Espanha, saiu vitorioso do conflito. No dia 11 de setembro de 1714, após 13 meses de sítio, ocupou Barcelona. “A pior consequência da derrota foi a dissolução do Estado catalão”, diz Alcoberro. Desde então, a Espanha passou a ser um estado juridicamente uniforme, com apenas uma língua oficial – o castelhano – e administração centralizada em Madri.

Luta pela autonomia 

A Catalunha experimentou um notável crescimento econômico durante o século 18 e iniciou um processo de industrialização em 1830. As fábricas a vapor configuraram um novo modelo de produção baseado no setor têxtil. “Ao longo do século 19, a industrialização diferenciou a Catalunha e o País Basco do resto dos territórios da Espanha, ainda de predomínio rural”, diz Jordi Casassas, catedrático de história contemporânea da Universidade de Barcelona. A sociedade catalã protagonizou a eclosão de um movimento cultural conhecido como Reinaxença (Renascimento). Guiados pelo ideal romântico do século 19, toda uma geração de intelectuais, poetas e artistas sentiu a necessidade de ressuscitar a identidade e o idioma nativos.

“Os atores da Reinaxença tiveram papel vital para o catalanismo, uma vez que criaram a bagagem cultural sobre a qual se codificaria a moderna identidade catalã”, diz Casassas. O partido conservador Liga Regionalista, criado em 1901, deu origem à aliança Solidaritat Catalana, que se transformou em uma potência eleitoral e social. “Foi um passo definitivo para a consolidação do nacionalismo catalão”, afirma Sobrequés. Paralelamente a essa corrente conservadora, surgiu outra mais radical, representada pelo Estat Català, fundado por Francesc Macià em 1922. A união do Estat Català com outros grupos deu origem à Esquerra Republicana, partido que está ativo até hoje e advoga pela independência da Catalunha.

Após a ditadura de Primo de Rivera (1923-1930), as eleições municipais de 1931 acabaram com a monarquia e inauguraram o curto perío-do da Segunda República Espanhola. Macià aproveitou para proclamar a República Catalã, gerando uma crise que obrigou o governo de Madri a aceitar a criação de um governo autônomo. Em 1932, as Cortes Constituintes espanholas aprovaram o Estatuto de Autonomia da Catalunha, que garantia um presidente (Macià), um governo e um Parlamento. Porém, “a transferência de atribuições do Estado estava longe de acabar quando estourou a Guerra Civil, em 1936”, diz Sobrequés.

A vitória franquista anulou o Estatuto, destruiu instituições e impôs uma feroz repressão. O uso público do catalão foi proibido. Mas a violência só alimentou o sentimento independentista. Com a morte de Franco, em 1975, a Espanha começou sua transição para a democracia. A nova Constituição, de 1978, abriu as portas para a Catalunha aprovar um novo estatuto.

A Generalitat estava de volta. Em 1983, foi criada a Lei da Normalização Linguística, que transformou o catalão em idioma co-oficial, ensinado nas escolas. Surgiram estações de rádio e TV com programação no idioma local. Ao contrário do que queria o governo de Madri, as comunidades autônomas não apaziguaram o nacionalismo. A cada geração cresce o sentimento antiespanhol e o número dos que reivindicam um plebiscito que permita à Catalunha abandonar a Espanha. Faz sentido? “Pedem a independência de Madri e politicamente querem depender de Bruxelas. Os governos nacionais hoje pouco podem interferir nas decisões tomadas na União Europeia”, diz Juan Sisinio, da Universidade de Castilla-La Mancha

Sangue na armadura 

Diz a lenda que o escudo que representa a região nasceu depois que o conde Guifre, el Pilòs, o unificador do Estado Catalão, foi ferido em batalha por muçulmanos. O imperador Carlos II passou os dedos na ferida e depois na armadura do conde.

Eles e o Brasil 

Em 1580, Portugal foi anexado à Espanha, o período da União Ibérica. Décadas depois, a Catalunha, aliada à França, proclamou a República. Em seguida, Portugal tornou-se independente. “Uma Catalunha aliada à França era mais temível que Portugal independente na órbita da Inglaterra”, diz Augustí Alcoberro, da Universidade de Barcelona.

A Catalunha e outros rebeldes 

Como seria o novo país independente da Europa e as outras regiões autônomas da Espanha

Galícia 

O Reino da Galiza teve curtos períodos de independência até ser anexado por Castela. Ainda que menos ruidoso que o catalão e o basco, conta com um movimento nacionalista que reivindica a autodeterminação.

Navarra 

O Reino de Navarra nasceu no século 9. Após ser anexado à Espanha, manteve suas instituições e leis, os Foros. Hoje tem autonomia política e econômica e regula seu próprio regime tributário. Os catalães exigem um convênio similar.

País Basco 

Isolados pelos Pirineus, os bascos têm um idioma próprio. O Partido Nacionalista Vasco, separatista, é de 1895. Em 1959, nasceu o ETA, que depôs armas no ano de 2012. Tem regime tributário próprio.

Espanha x Catalunha 

Área (em km2): 505 992 x 32 114 

População (em milhões) 47 x 7,5 

PIB (em milhões de euros) 1 063 x 200 

PIB per capita (em euros) 23 100 x 27 627

Culturas diferentes 

Como diferenciar um catalão de um espanhol

Castellers x Tourada 

Os castelos humanos são a mais popular tradição catalã. A cultura taurina é um dos principais símbolos da identidade espanhola. E foi proibida na Catalunha em 2010.

Sardana X Flamenco 

A idéia da dança de roda típica dos catalães é mostrar a unidade do seu povo. O flamenco tem raízes nas culturas ciganas e mouras da Andaluzia.

Salvador Dalí x Pablo Picasso 

O mestre surrealista é catalão. O gênio cubista nasceu em Málaga, na Andaluzia.

Gaudí x Cervantes 

A arquitetura de Gaudí criou a identidade visual da Catalunha. Já a obra Dom Quixote, de Cervantes, escrita em castelhano, é considerada o primeiro romance moderno.

Fuet x Jamón 

Na Península Ibérica, você é o embutido que você come. O fuet catalão é uma espécie de salame e o jamón, um presunto cru.

Cava x Jerez 

A independência não terá champanhe, mas cava, o vinho espumante catalão. Os espanhóis vão ter que digerir a notícia com uma dose de jerez, um vinho fortificado com aguardente.

Campeões mundiais 

Dos 11 ganhadores da Copa de 2010, 5 são catalães: Puyol, Piqué, Capdevila, Busquets e Xavi. Os espanhóis são Casillas, Sergio Ramos, Xabi Alonso, Iniesta, Pedro e Villa. (Os três últimos jogam no Barcelona.)

Saiba mais 

Livro

Història de Catalunya, Jaume Sobrequés, Editorial Base, 2011

Revista Aventuras na História

Aquesta entrada s'ha publicat en Blogs diversos el 14 d'agost de 2014 per TaizaBrito

Deixa un comentari

L'adreça electrònica no es publicarà. Els camps necessaris estan marcats amb *

Aquest lloc està protegit per reCAPTCHA i s’apliquen la política de privadesa i les condicions del servei de Google.