Da Catalunha para o Mundo

Blog da Taíza Brito e do Gerard Sauret

ARTIGO DE UM OBSERVADOR INTERNACIONAL PORTUGUÊS NO 9N

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Resgatamos um artigo de opinião publicado no passado dia 12, no jornal português PÚBLICO, e escrito por Pedro Miguel Cardoso, que foi observador internacional em 9 de Novembro (9N) na consulta simbólica realizada na Catalunha sobre a sua independência da Espanha. Pedro, que é mestre em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade de Lisboa, traz seu relato sobre os argumentos esgrimidos pos aqueles que são pró e contra dessa questão. Finalmente aponta como o desafio independentista catalão pode se coverter em oportunidade para a Espanha e a própria União Europea para a construção de realidades políticas mais condizentes com as demandas e anseios dos seus cidadãos.

CATALUNYA 9N

Pedro Miguel Cardoso

PÚBLICO

12/11/2014 – 01:43

Nove de Novembro de 2014. A consulta alternativa ou “processo participativo” sobre a independência avançou mesmo na Catalunha, apesar da suspensão decretada pelo Tribunal Constitucional espanhol, das incertezas relacionadas com a actuação da “Fiscalía” e algumas tentativas de boicote.

Foi um processo que mobilizou mais de 40 mil voluntários. Uma prova de determinação do governo regional “Generalitat” e das mais de 3 mil instituições catalãs que se reúnem em torno do Pacto Nacional pelo Direito a Decidir, entre as quais a Assembleia Nacional Catalã e o Òmnium Cultural que desempenharam um papel importante na mobilização a favor do Sim/Sim às duas perguntas da consulta: “1) Quer que a Catalunha seja um Estado? 2) Se sim, quer que seja um Estado independente?”. A participação superou as 2 milhões e 300 mil pessoas, tendo 80% votado a favor da independência. Dadas as condições em que foi realizada pode ser considerada um sucesso, demonstrativa da capacidade de organização e mobilização dos catalães, a exemplo do que se tem passado nas grandes manifestações que têm decorrido nos últimos anos no Dia Nacional da Catalunha, a Diada do 11 de Setembro.

O governo espanhol que rejeitou acordar com o governo catalão um referendo vinculativo “à escocesa”, que impugnou tanto a consulta não vinculativa apoiada pelo parlamento catalão como esta consulta alternativa, veio ainda a público criticá-la por não ter garantias democráticas, depois de tudo o que fez para que não as tivesse. Os protestos e a revolta contra a actuação do Estado espanhol têm crescido e quem tenha estado em Barcelona nos dias que antecederam a consulta pôde ouvir a massiva e sonora “cassolada” das 22h (barulho com instrumentos de cozinha como forma de protesto).

Lendo e ouvindo a opinião das pessoas na rua, nas redes sociais e nos meios de comunicação social em Espanha (E) e na Catalunha (C), o que sobressai é a polarização, a existência de duas visões e mundos mentais bem distintos (E e C), como se fossem pessoas de países distintos e em conflito. Por um lado, muitos espanhóis que consideram a Catalunha parte inalienável de Espanha e o direito a decidir inconstitucional e, por outro, muitos catalães que defendem esse direito, sendo aqueles que defendem um Estado independente cada vez mais numerosos. O debate desenrola-se em torno de alguns tópicos e posições (E e C):

E) A Catalunha nunca foi um Estado independente e foi parte integrante da união de coroas que deu origem a Espanha. C) Antes da criação do Estado-nação moderno a Catalunha chegou a ter uma soberania à antiga. E não tem até aos nossos dias um Estado independente porque foi subjugada pela violência das armas em algumas ocasiões históricas. Há razões históricas, culturais e linguísticas que justificam a aspiração à auto-determinação.

E) Um hipotético referendo ou qualquer consulta na Catalunha sobre a independência não são compatíveis com a Constituição Espanhola que foi aprovada em 1978. A democracia tem que se submeter ao Estado de direito e os democratas têm de respeitar a legalidade. C) As leis podem não ser justas ou democráticas. As ditaduras também têm leis por injustas ou anti-democráticas que sejam. Se as leis não mudassem a escravatura, o apartheid, a discriminação das mulheres ainda vigorariam.

E) A soberania reside no povo espanhol e por isso todos os espanhóis têm que votar num hipotético referendo vinculativo. C) A alter-determinação em vez da auto-determinação é questionável. Quando os noruegueses votaram a independência os suecos e os escandinavos não votaram e o mesmo aconteceu noutros casos: lituanos versus soviéticos, escoceses versus britânicos, montenegrinos versus jugoslavos, gronelandeses versus dinamarqueses, e quebequianos versus canadianos.

E) Esta aspiração é alimentada pela propaganda nacionalista, divide a sociedade catalã e exclui os cidadãos catalães que têm o castelhano como língua materna. C) É uma causa inclusiva que tem vindo a ganhar um crescente apoio de catalães das mais diversas origens. O nacionalismo catalão não quer dominar outros povos e nações, quer apenas que a Catalunha tenha um Estado, de preferência independente. Um Estado que permita uma melhor afirmação internacional da política, cultura e identidade catalã.

E) Estão a ser criadas fronteiras num tempo em que se caminha no sentido da integração e em que a cooperação é tão necessária para superar as múltiplas crises da actualidade. C) Os independentistas da Catalunha não querem erigir fronteiras, nem querem virar as costas a Espanha nem à Europa, quem ameaça com fronteiras e exclusões é precisamente o Estado espanhol que promete vetar a adesão de um possível Estado independente à União Europeia e às Nações Unidas.

Na minha opinião o processo catalão é um teste à democracia espanhola e pode ser uma oportunidade. Um novo processo constitucional, dando voz e poder de decisão aos cidadãos, garantindo o direito à auto-determinação dos povos que compõem Espanha, colocando as questões fundamentais de Estado (República versus Monarquia e modelo de organização territorial) à deliberação cidadã poderia ser uma verdadeira solução. Negar a realidade e as aspirações populares, usar a legalidade vigente ou mesmo a força policial/militar para manter o statu quo, apenas pode adiar e recalcar os problemas que vão emergir com mais vigor numa próxima oportunidade ou geração. Espanha avança e será mais forte se conseguir resolver de forma pacífica e democrática estas questões.

É também um teste à União Europeia. A criação de novos Estados, a entrada e a saída de Estados da união não conduz necessariamente à sua desintegração. Podia até ser criada legislação europeia para regular processos de auto-determinação. É necessária uma União Europeia com capacidade de se adaptar e mudar, mais próxima das aspirações dos cidadãos europeus. Uma união que dê primazia à democracia e esteja ao serviço do desenvolvimento social e económico dos povos europeus.

Observador do 9N, investigador na área das Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável na Universidade de Lisboa e mestre em Ciência Política e Relações Internacionais pela FCSH-UNL

Aquesta entrada s'ha publicat en Público el 26 de novembre de 2014 per TaizaBrito

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