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FILIPE VI E A SECESSÃO CATALÃ

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Pubicado originalmente em 03/06/14

 

FILIPE VI E A SECESSÃO CATALÃ

por João Carlos Barradas

O desafio catalão congrega nacionalistas conservadores e de esquerda, com fortíssima representação republicana.

 A margem de manobra e mediação que o sucessor de Juan Carlos conseguir definir na crise criada pela convocação da consulta popular de 9 de Novembro sobre a eventual independência da Catalunha irá determinar o futuro da monarquia espanhola.

Juan Carlos abdicou tarde demais, após sucessivos escândalos que minaram o prestígio da Coroa, e o herdeiro enfrenta um desafio às instituições sem paralelo desde a aprovação da Constituição de 1978, numa altura em que o “Partido Popular” e o “Partido Socialista” vêem ameaçadas as suas posições hegemônicas no sistema partidário.

O desafio catalão congrega nacionalistas conservadores e de esquerda, com fortíssima representação republicana, e implica o reconhecimento do direito de consulta sobre a constituição da nação como entidade estatal e eventual secessão.

 

Refazer Espanha     

                

O chumbo pelo Tribunal Constitucional, em Junho de 2010, do Estatuto de Autonomia favoravelmente referendado na Catalunha quatro anos antes para substituir o articulado legal de 1979, provocou uma radicalização nas reivindicações independentistas com consequências potencialmente fatais para o regime pós-franquista. 

 

O «café para todos» celebrado por Adolfo Suárez amargou e a crise financeira dilapidou a capacidade administrativa local a favor de tendências centralistas assumidamente defendidas pelo “Partido Popular” e por certos sectores do “Partido Socialista” em prejuízo das comunidades autônomas e dos poderes concedidos a “nacionalidades históricas” como a Catalunha, País Vasco e Galiza, posteriormente alargados à Andaluzia.

 

A exigência do direito de autodeterminação votada pelo parlamento de Barcelona em 2012 com apoio da “Convèrgencia I Unió” e de toda a esquerda tem por efeito pôr em causa a estrutura da monarquia constitucional.

 

Um estado catalão com os seus 7,5 milhões de habitantes, 16% da população do reino, poderia integrar uma federação espanhola e aceitar inclusivamente um vínculo monárquico comum em alternativa à independência.

 

A difícil renegociação de poderes com as demais componentes regionais e nacionais teria ainda de realizar-se tendo em conta o republicanismo particularmente forte na Catalunha e os interesses dos cerca de 20% de residentes oriundos de outras regiões do estado espanhol.     

 

O capital do monarca

 

A “Lei de Sucessão” de 1947, a proclamação como herdeiro em 1969, sob a tutela de Franco e o juramento de fidelidade às “Leis Fundamentais” do regime, constrangeram Juan Carlos que, entronizado em 1975, conseguiu legitimar a monarquia com o apoio precioso de Adolfo Suárez.

 

Juan Carlos e Suárez numa ruptura-reforma-pactada neutralizaram a reação direitista e militar com o contributo de Torcuato Fernández Miranda, como presidente das Cortes e do Conselho do Reino, do general Manuel Gutiérrez Melado, chefe do estado-maior do exército que chegaria a ministro da Defesa, ou o cardeal Vicente Enrique Tarancón à frente da Conferência Episcopal.

 

A contestação laboral e o terrorismo basco constituíam óbices graves, mas longe de criarem uma situação insustentável ao regime conforme sucedera com a guerra colonial em Portugal, e as oposições não tinham força para liderar uma ruptura democrática.

 

A defesa das prerrogativas do civilismo e da lisura democrática ante o golpe de  23 de Fevereiro de 1981 consagram a monarquia constitucional, mas a vitória socialista nas eleições de Outubro de 1982 afastou o rei do centro da negociação política, ainda que mantivesse poderes de mediação relevantes.

 

O paradoxo monárquico

 

O negocismo e jogos de influências em torno do rei – à semelhança do tolerado e incentivado por forças políticas a nível nacional, regional e provincial – atos de esbanjamento, consumo ostensivo, infidelidades conjugais, corrupção de familiares, dilapidaram o capital político e o prestígio pessoal de Juan Carlos.

 

A mais recente leva dos Borbón carecia de uma tradição dinástica como símbolo da unidade de um estado multinacional e democrático, conforme o provou a proclamação da II República em 1931 e a posterior manipulação franquista da restauração monárquica, e só a atuação de Juan Carlos na transição o legitimara como soberano constitucional.

 

Por virtude de soberania popular democrática, a uma monarquia constitucional parlamentar e hereditária só será reconhecida legitimidade se contribuir direta ou indiretamente, por razões de tradição e/ou eficácia política, para a estabilidade funcional de um regime democrático.   

 

Juan Carlos e o juancarlismo esgotaram-se e ao herdeiro cabe afirmar-se ou fracassar na conquista de nova legitimidade política ainda que não careça presentemente de legitimidade constitucional. 

 

O príncipe Filipe ascende ao trono com excelente formação acadêmica e militar, intensa agenda de contactos diplomáticos, empresariais e culturais, senhor de presença pública inatacável, apesar de revelar pendor algo distante ao que não ajuda uma consorte frequentemente entediada e dada aos distúrbios da anorexia.

 

A Filipe compete provar capacidade de mediação política para justificar a manutenção da instituição monárquica ante o que possa trazer na reivindicação independentista o confronto das tradições catalãs de “la rauxa”, o arrebatamento, e “el seny”, a ponderação serena.

 

Jornalista

Aquesta entrada s'ha publicat en Jornal de Negócios el 5 de juny de 2014 per TaizaBrito

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