Da Catalunha para o Mundo

Blog da Taíza Brito e do Gerard Sauret

Catalunha, um debate sobre direito que é um debate sobre política

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Público

Publicado originalmente em 24/02/2014


A vontade catalã de decidir em referendo o seu futuro político foi discutida na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

A iniciativa foi catalã mas a Faculdade de Direito quis associar-se e recebeu esta segunda-feira o debate “O processo político na Catalunha”. Eduardo Vera-Cruz Pinto, professor na Faculdade e um dos que ajudou a organizar a conferência diz que quando começou a primeira pergunta que lhe fizeram “foi se isto era bom para as relações entre Portugal e Espanha”. “Não conheço melhor maneira de contribuir para as relações entre os dois países que o debate dos problemas que nos afectam”, respondeu, na sua intervenção.

O governo regional da Catalunha e a maioria do seu parlamento decidiram que é tempo de realizar um referendo sobre o futuro político da região e querem fazê-lo a 9 de Novembro. O Governo espanhol diz que a consulta é ilegal por pôr em causa a unidade do Estado espanhol, como expressa na Constituição.


É este então um debate sobre direito? Não, respondeu Adriano Moreira, um dos participantes. “Estamos na Faculdade de Direito mas o tema dado a este encontro é ‘o processo político’, não o processo jurídico.”

A respeito da legalidade ou da constitucionalidade de um referendo sobre a independência numa região de Espanha, a Catalunha, é possível defender algo e o seu contrário. Mercè Barceló, da Universidade Autónoma de Barcelona, sustenta que qualquer Estado “é por definição uma unidade” e que o facto de isso surgir no artigo 2 da Constituição espanhola “não faz de Espanha um Estado mais unitário do que outro qualquer, do que o Canadá, onde já se votou duas vezes o futuro do Quebeque, ou do que o Reino Unido, onde a Escócia vai poder votar” se quer ser independente, em Setembro.

O que a Constituição dá a todos os espanhóis, lembra Barceló, é “o direito a participar nos assuntos públicos, de forma directa ou através dos seus representantes”, ao mesmo tempo que “não condena ideologias e não exclui da legalidade nenhum grupo que defenda qualquer ideal de organização, mesmo que este contradiga a Constituição”.

Para Barceló, como para outros participantes no debate, esta é então uma questão essencialmente política, mesmo se for colocada em termos de direito. “O direito internacional evoluiu continuamente”, disse em Lisboa Francesc Vendrell, diplomata com décadas de experiência nas Nações Unidas que foi chefe adjunto da missão da organização em Timor-Leste durante o processo que conduziu à independência. “O direito não se resume ao que diz o legislador”, repetiu Eduardo Vera-Cruz Pinto.

“Neste momento, o direito internacional reconhece o direito à autodeterminação dos territórios classificados como coloniais ou debaixo de domínio estrangeiro pela Assembleia Geral das Nações Unidas”, afirmou Francesc Vendrell, lembrando que este é “um órgão político que toma decisões políticas”.

O princípio da autodeterminação, diz o diplomata catalão, tem evoluído em tensão com o princípio da integridade territorial. Em geral, “criam-se estados pela força, negociando com o governo do Estado central ou através de uma negociação internacional”. Muitas vezes, isso acontece “em momentos de desmoronamento ou pelo menos debilidade do Estado central”.

Timor e as circunstâncias

Timor-Leste, recordou, não chegou a sair da lista de estados coloniais depois de 1975, e o seu direito à autodeterminação poderia ter sido reconhecido mais cedo. Mas “não havia interesse da comunidade internacional”. As circunstâncias mudaram: “Em Timor, também tivemos de esperar por um momento de debilidade, quando Suharto caiu”, em 1998, um ano antes do referendo que conduziu à independência.

“O princípio da autodeterminação dos povos é usado de acordo com os interesses políticos dominantes, segundo a potência que tem mais força em cada momento”, sublinhou também Eduardo Vera-Cruz Pinto.

Para Adriano Moreira, o actual processo na Catalunha tem “grande impacto em Espanha, mas ainda mais na Europa que pretendeu ser uma união de estados e hoje está numa espécie de pousio”. O fundamental, defendeu, “é que cada uma das comunidades que constitui Espanha não veja em nenhuma das outras um adversário mas apenas uma comunidade com diferenças” e que este seja um processo que avance “através do diálogo e do respeito”.

“O lógico é dialogar”, disse também Francesc Vendrell. E num momento em que o governo da Catalunha tenta internacionalizar o processo político que desencadeou, o diplomata defendeu que “os Estados europeus não vão querer saber, a diplomacia preventiva não existe”. Só depois de realizada a consulta, então, haverá posições. “A única resposta que a União Europeia pode dar a um Estado membro é dizer-lhe que deve dar conta dos resultados de uma consulta destas e, no mínimo, sentar-se com os representantes da Catalunha.”
Aquesta entrada s'ha publicat en Público el 13 d'abril de 2014 per TaizaBrito

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